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SATEMRJ apoia matéria do GLOBO sobre o Técnico de Enfermagem

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POR ALFREDO GUARISCHI

25/04/2016 0:00

‘Me ajude.”

Era madrugada, e a luz do quarto foi acesa. Uma técnica de enfermagem veio me socorrer, pois eu quase havia caído da cama, embaraçado com sonda, dreno e soro. Apesar de ter recebido orientação para não me levantar sem ajuda, “achei” que não teria problema. Afinal, sou médico!

A enfermeira chegou minutos depois da técnica. Os tubos estavam no lugar. O médico plantonista posteriormente veio me examinar. “Quer um sedativo?”, perguntou.

Fui colocado na cama. Adormeci. Horas depois, que pareceram segundos, fui acordado. Hora do banho. No leito? Sim. Estava de “castigo” e voltaria a tomar o “banho” na cama. No chuveiro seria imprudente.

Compressas e água nada morna. A mesma técnica, de olhar cansado por mais uma noite acordada, procurava me animar. Quase no final do “banho”, recebeu ajuda do técnico mais antigo do hospital. Meu velho companheiro de batalhas chegava ao plantão e soube de mim. Ele me aplicou uma injeção — de ânimo. Disse que eu ficaria bem. Acreditei.

No centro cirúrgico, por trás de máscaras nada venezianas, outros técnicos ajudavam o anestesista. O cirurgião não abria mão de sua instrumentadora e também técnica de enfermagem. Que time!

Depois de um longo período, retornei ao trabalho. Deixei de ser paciente e voltei a ser o irrequieto e impaciente médico. Não mais encontrei vários dos técnicos que tanto me ajudaram. Os médicos e enfermeiros, muitos com pós-graduação e especialistas, lá estavam. Mas cadê aqueles meus anjos? A vida segue. Os tempos são outros, e maioria dos rostos é desconhecida. Gente muito jovem.

Técnicos de enfermagem são formados em cursos de até dois anos, a maioria tem que trabalhar para pagar sua graduação, que inclui apenas alguns meses de parte prática. Representam mais de 75% dos profissionais da assistência aos hospitalizados. São soldados cambaleantes num exército desorganizado com muitos generais que passam ao largo. Como soldados, acabam sendo lembrados como os do panteão dos desconhecidos.

Recebem em média um salário mínimo e meio mensal, para uma jornada de 12 horas, a cada dois dias. A maioria precisa de um segundo emprego, sendo obrigada a trabalhar de madrugada de duas a três vezes por semana, com apenas um final de semana livre ao mês.

A rotatividade é enorme, chegando a 40% ao ano em diversos hospitais privados, pois inexiste estímulo técnico, social ou financeiro.

Diferentemente de médicos, técnicos com mais de cinco anos de experiência no campo de batalha são uma raridade. Os “donos do sistema” dizem que há falta de “mão de obra qualificada”, e esses neo-escravistas acham que basta investir em tecnologia, para diminuir a incidência e a gravidade dos erros na saúde.

Um craque pode ganhar jogos, mas equipes bem treinadas e integradas ganham campeonatos. Os técnicos de enfermagem não são o problema; ao contrário, fazem parte da solução.

Alfredo Guarischi é médico

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